A obsessão por padrões é da natureza humana.
Antes de partir para os pontos fora da curva, acho válido falar um pouco sobre nós humanos. Há muitos estudos, livros e palestras sobre a habilidade inerente dos nosso cérebros em procurar padrões. Seja no best-seller “Sapiens” ou no estudo “Pattern Recognition And Your Brain”, o assunto é muito bem detalhado sobre uma combinação dos pontos de vista biológico e antropológico. Depois de tanto pesquisar a respeito do assunto, começo a concluir que:
Padrões foram e são muito importante para nós e em função disso nos deixamos levar pela obsessão de encontrá-los e preservá-los.
O problema é que na hora de inovar, às vezes é preciso tomar cuidado com a nossa natureza.
A coisa que não se encaixa é a coisa que é mais interessante.
Embora eu nunca tenha encontrado essa frase famosa do físico Richard P. Feynman em nenhum material sobre inovação e/ou desenvolvimento de produto, acredito que ela se encaixa muito bem nesses assuntos (sim, eu tenho noção da imensa contradição que é eu escrever isto).
Se você já participou ativamente de uma decisão sobre algum produto, muito provavelmente já ouviu argumentos como os a seguir:
“A maioria dos nossos clientes faz X em vez de Y”.
“Quase ninguém utiliza a funcionalidade X desse jeito”.
“Se tomarmos a decisão A, quase toda nossa base vai nos receber de maneira positiva”.
“Vamos priorizar a funcionalidade X porque ela é a que a maioria dos clientes está pedindo”.
O que se observa é que os argumentos quase sempre se baseiam no maior impacto no que diz respeito à quantidade de clientes ou clientes em potencial. É claro, para uma boa parte das decisões esse tipo de argumento é extremamente válido.
Mas, e para o caso da inovação?
Pois é, tenho visto outros que trabalham com desenvolvimento de produto observarem mais os comportamentos mais periféricos de seus usuários. Mas é claro, sempre é importante avaliar como os clientes interagem com o produto de maneiras mais generalistas também, uma coisa não exclui a outra.
Costumo bater nessa tecla, pois embora há quem os investigue, a grande maioria ainda os ignora. Mas e na prática, como fazer isto?
Nem tudo é uma questão de dinheiro, aliás talvez seja melhor deixar o dinheiro de lado.
Uma vez escutei de um grande inovador que inovar não é listar as principais funcionalidades que seus clientes que mais gastam dinheiro com a sua empresa estão pedindo. Aliás, segundo ele, inovar não é um monte de coisa que muita gente acredita.
É preciso explorar outros aspectos, como o uso de uma determinada funcionalidade, por exemplo. Aliás, a utilização de uma funcionalidade de modo singular é o melhor jeito de explorar os pontos fora da curva. Mas, é claro, há outras coisas que podem ser exploradas, como os resultados que um determinado cliente tem com o seu produto (um pouco mais difícil de descobrir).
Atualmente você coleta dados referentes a utilização das funcionalidades do seu produto?
É muito comum fazer isto quando o produto é um software. Mas a prática não restringe a isto. De qualquer modo, caso você não esteja com esses dados em mãos, eu sugiro fortemente que comece a ter.
Quando você os tem, não há uma regra específica, mas sim pura observação mesmo. Às vezes, por exemplo, pode ser a quantidade de um recurso que chame a sua atenção. Como já abordei aqui, as gambiarras que um cliente faz podem também revelar oportunidades, então escolher um cliente não deve ser uma tarefa muito difícil.
Tá, e depois de escolher um cliente? Ah, aí começa o desafio…
A velha história de entrevistar clientes.
Identificados os clientes (pode ser usuários também, depende de como é o seu produto) é hora de partir para a conversa com eles. Além, é claro, de seguir as premissas básicas de uma boa conversa com clientes, é necessário entender o contexto e a razão que levam esses clientes a terem esse comportamento fora do padrão (seja utilizando uma funcionalidade ou tendo resultados muito diferentes da maioria).
Ainda assim está muito abstrato o que deve ser feito? Não tem problema, eu sei que “enxergar” o que deve ser feito muda de pessoa para pessoa de acordo com seus conhecimentos e experiências. Sendo assim, vou dar uma pequena receita para você ter um norte. Ah, mas muito importante, assim como toda a receita que você vê na timeline do Facebook, na prática a coisa não é tão fácil e você sempre pode adicionar o seu tempero 😉
Uma receita de como investigar os pontos fora da curva.
Ah, muito importante, esse é o jeito que eu mais faço. Além disso, a prática leva a perfeição (só que não).
1# Email
Mande um email, é claro, solicitando uma ligação. Mas nada de uma newsletter ou algo do tipo. Mande um email pessoal, afinal você não vai conversar com 187 pessoas, lembre-se, elas são os pontos fora da curva. Mas se você for obcecado com orientações detalhadíssimas ,eu diria que o número mágico de 3 clientes já deve lhe trazer alguns insights. Nesse email é muito importante você destacar a importância que esse cliente tem para a sua empresa e que você gostaria de entender como ele trabalha para que você possa melhorar o seu produto. Essa última parte aumenta muito a aceitação.
2# Foco
Antes da ligação, lembre-se de escrever o que você quer descobrir. Isto serve para você manter o foco. Quando conversamos com clientes a coisa pode ir para qualquer lado, então foco é muito importante (dica de quem já passou por isso). Então se você quer saber as razões dele em usar a funcionalidade Y tanto assim, por exemplo, leve isso anotado para você.
3# Aquecimento
Comece a conversa procurando ser casual. Uma boa dica é perguntar como estão as coisas, agradecer pelo tempo e como o cliente conheceu a sua empresa. Ah, reforçar que você gostaria de saber mais sobre o trabalho dele é uma boa maneira de gerar engajamento.
4# Levantamento
Quando vocês já estiverem em mais sintonia (depois de alguns minutos, dicas, piadas, detalhes sobre o trabalho, etc), comente que você, por acaso, observou que ele usa muito a funcionalidade Y. Detalhe, é importante diminuir a importância do que você está procurando. E diga que você está curioso para saber para o que ele usa a funcionalidade.
E por fim…
Chegando aqui, muito provavelmente alguma coisa interessante o cliente vai trazer à tona. Mas lembre-se, o diabo está nos detalhes. Vale forçar um pouco a barra e obter mais informação. A técnica dos 5 porquês pode ajudar aqui.
Espero que tenha bons frutos dessas conversas. Eu tive 🙂