3 razões que levam as empresas a não entrevistar clientes.

Entrevistar clientes no sentido de pesquisar e validar hipóteses, é claro.

Desde a primeira vez em que eu trabalhei numa startup, o Route, eu ouvia essa história de entrevistar clientes. Muitos diziam ser o jeito mais eficaz de se construir um produto de sucesso. Coincidência ou não, o time do Route nunca falou com um único cliente e nós encerramos as atividades em Novembro de 2016.

Uma hora dessas eu escrevo um post sobre isto. Mas se você estiver curioso sobre o projeto milionário que eu ajudei a quebrar, eu recomendo a leitura desses dois posts escritos por amigos meus que também fizeram parte dele:

Como quebrar duas startups em 4 anos do LuizTools.

Startup Fail – O que erramos no Route do Felipe Barbosa.

Mas voltando aqui. O fato é que entrevistar clientes focando o desenvolvimento de produto não é novidade. Entretanto, realizar esse tipo de pesquisa muitas vezes me parece como sexo na adolescência:

“Todos dizem que fazem, quase nenhum faz e outros nem sabem o que é.”

Mas se entrevistar clientes é uma prática quase unânime entre empresas bem sucedidas, por que diabos muitos ainda não a fazem? Eu tenho algumas suposições com base na minha experiência e na de alguns conhecidos meus.

  1. Equivocadamente interpretar o que Henry Ford disse sobre os cavalos mais rápidos.
  2. Entrevistar clientes pode não ser nada trivial.
  3. Medo de invalidar a solução atual (medo da verdade).

Então vamos ver cada uma em detalhes…

1) Interpretar equivocadamente o que Henry Ford disse sobre os cavalos mais rápidos.

A historinha do Henry você muito provavelmente já conhece.

“Se eu perguntasse a meus compradores o que eles queriam, teriam dito que era um cavalo mais rápido.” – Henry Ford

O problema aqui começa com um conceito pré-estabelecido de que entrevistar clientes é explicitamente perguntar o que eles querem num produto. Talvez na época em que o fundador da Ford tenha dito essa frase (entre o final do século XIX e o início do XX), pouco se sabia sobre pesquisa com clientes.

Ou ainda, pode ser que essa só tenha sido uma frase de impacto dele em alguma entrevista ou depoimento, sabe? Você já deve ter escutado centenas seguindo essa linha, não?

Então é muito importante lembrar que quando se diz em entrevistar clientes, não se quer dizer perguntar o que eles querem, mas sim aplicar técnicas de pesquisa com base em conversas para revelar jobs, progressos e estados desejados por eles.

Jobs?

Progressos?

Jobs To Be Done?

Se você não está familiarizado com esses conceitos eu sugiro a leitura desse post aqui.

Então, em desenvolvimento de produto,

Entrevistar clientes = Aplicar técnicas de pesquisa ≠ Perguntar explicita/toscamente o que os clientes querem.

Beleza, se é só isso, vamos começar a falar/pesquisar com os clientes então. Eis a seguinte razão que levam as empresas a não entrevistar clientes.

2) Entrevistar clientes pode não ser nada trivial.

Já que entrevistar clientes se faz aplicando técnicas de pesquisa, etc, é preciso estudar muito bem essas técnicas, escolher quais usar e, o mais importante, praticá-las. É claro, a dificuldade muda de pessoa para pessoa e de produto para produto, mas não espere nada menos que uma atividade que vai demandar bastante tempo e dedicação, além de estudo, é claro.

Eu já dediquei um post inteiro sobre alguns fundamentos que acredito serem bastante eficazes na hora de conduzir essas pesquisas.

Essa necessidade de se pesquisar e utilizar técnicas, aliada a desconfiança sobre a validade do que é levantado numa conversa com clientes, fazem com que muitos desistam sem sequer começarem. Eu mesmo confesso que relutei um pouco no início e por algumas ocasiões achei que estava perdendo meu tempo conversando com clientes. Entretanto, essa visão mudou bastante depois de que eu quebrei uma startup e obtive bons insights para outra, a Umbler.

Mas é inevitável se você quiser aumentar (e muito) as chances de sucesso do seu produto. Ah, e entrevistar clientes é peça chave do framework Jobs To Be Done?

Jobs To Be Done? Jobs? Hehe, brincadeira, mas só pra reforçar que vale muito a pena ler esse post para ver o que é ou para relembrar 😉

E, ainda assim, se nenhuma dessas razões paralisar a interação com os clientes, o medo pode sempre dar as caras.

3) Medo de invalidar a solução atual (medo da verdade).

Sim, muita gente tem medo de descobrir que o produto desenvolvido (ou planejado, projetado, etc) até então, na verdade não é o que os clientes precisam ou querem. Isto pode parecer absurdo, mas depende muito da sua experiência.

Se você ainda não esteve a frente de um projeto de um produto novo, pode ser absurdo acreditar que alguém teria esse medo. Ou, ainda, pode julgar as pessoas que o têm. Mas a realidade é que é muito difícil de se desvencilhar da nossa fidelidade às coisas que criamos.

Embora a frase abaixo:

“Apaixone-se pelo problema, não pela solução.”

, seja bastante romantizada e dita por aí, a prática é muito diferente.

Assim como nossa natureza pode nos atrapalhar na hora de analisar os pontos fora da curva, ela também pode nos sabotar. Nós humanos temos uma tendência enorme de nos orgulharmos muito daquilo que construímos (ou ajudamos a construir).

E não sou eu que estou dizendo que temos essa tendência, vários economistas comportamentais apontam esse fenômeno. Se você quiser saber mais sobre isso, pesquisa por “efeito ikea” no Google.

Então nossa preferência pelo o que criamos pode nos deixar com medo de “colocarmos nosso filho à prova”. Ah, muito importante, por experiência própria, parece que esse medo aumenta muito conforme passamos muito tempo desenvolvendo o produto e não falando com clientes. Mas mesmo assim, mesmo tarde, vale a pena.

E, por fim, a realidade é que entrevistar clientes pode se tornar muito útil e, até mesmo, divertido com o tempo.

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