A síndrome do produto ideal e os riscos de tentar criá-lo.

A síndrome do produto ideal aparece quando não há Push o suficiente.

Lembra do Push? Falei sobre essa força no post sobre as Forças do Progresso? Então, para que haja mudança é necessário o Push, além do Pull. E quando não há Push o suficiente, além do cliente não trocar, surge o que eu chamo de a síndrome do produto ideal.

A síndrome do produto ideal é um fenômeno que eu presenciei em várias entrevistas com pessoas que estavam cogitando comprar um produto. Mesmo você tendo em mente que deve abordar o que o entrevistado fez e não o que ele prefere, é natural que você acabe escutando justificativas para suas ações.

Geralmente essas justificativas tangem características que o cliente diz serem obrigatórias numa solução para que ele a compre. Num primeiro momento, pode-se pensar que o cliente está certo em tudo o que considera e que faz sentido desenvolver uma solução com base nesses requisitos que ele aponta. Mas o que a minha experiência e a de outros praticantes de Jobs To Be Done apontam é que na realidade desenhar uma solução com base nessas idealizações é muito perigoso.

Não é à toa que eu usei o termo “justificativas” para descrever o que uma pessoa que ainda não comprou um produto diz. Por que é exatamente isto que elas são na esmagadora maioria das vezes, apenas justificativas.

Quando o Push surge, todas aquelas características “obrigatórias” vão por água abaixo.

É inevitável, acontece com todo mundo. Enquanto não somos empurrados (Push) por alguma deadline ou situação que nos cobra tomar uma decisão, nós levantamos muito os padrões para uma possível solução. Tenho um bom exemplo que aconteceu comigo mesmo. E eu era o cliente 🙂

No início, só havia o primeiro pensamento.

Ali pela metade do ano passado (junho de 2016 na data em que escrevo este post) meu smartphone começou a me incomodar, pois ele travava de vez em quando. Com alguma precisão, posso dizer que tive o “primeiro pensamento” (mais no post sobre a Timeline) para trocar de aparelho numa noite em que eu estava tentando utilizar o GPS para encontrar um restaurante e ele travou.

A partir dessa noite eu comecei a ficar atento a possíveis soluções. No entanto, conforme o tempo foi passando, meu smartphone não travou tanto e nenhum compromisso fora do normal envolvendo o celular surgiu. Assim, o pouco o que eu observei nos aparelhos não me motivou a comprar nenhum.

Um pouco de Pull dá as caras em seguida.

Lembro também que alguns amigos trocaram de aparelho nesse período (um pouco de Pull). Mas para mim que estava sem muito Push, as decisões deles não pareciam ser as melhores. Eu sempre achava que um deles pagou muito caro no aparelho, outro se importou demais com o hardware, outro não avaliou muito bem as modificações no sistema operacional feitas pelo fabricante e assim por diante. Em outras palavras, justificativas para não comprar.

Então a síndrome do produto ideal se estabeleceu em mim. Quando alguém me perguntava “Hein, você não estava procurando um smartphone novo?” eu sempre respondia algo como “ainda não encontrei o melhor pro meu caso, ainda estou avaliando…”

Na minha cabeça o meu smartphone deveria ser mais ou menos um aparelho com o desempenho de um iPhone, a câmera de um Samsung, a conectividade de um Android puro (sem modificações por parte do fabricante) e, claro, o preço de um medium-end de entrada, em torno de uns R$ 1.000,00. Eu sei, eu sei, parece brincadeira, exagerei um pouco, mas condiz com a realidade.

No mundo do software então… nele acontece direito:

  • “Não comprei o software porque ele não se conecta com X, Y e Z.”
  • “Eu não preciso de tudo isto, só quero a funcionalidade X do software.”
  • “Se o software X tivesse a funcionalidade Y eu compraria com certeza.”
  • “Nossa! Eu não trabalho com isto, mas com certeza meu chefe precisa desse software.”

Algumas dessas frases lhe é familiar?

Entretanto, eis que surge o Push.

No meu caso, o Push mais evidente foi a decisão de onde eu passaria minhas férias. Minha namorada e eu decidimos passar duas semanas na Itália. Agora eu tinha o Push necessário. Eu não queria correr o risco de perder uma foto por causa do aparelho travar ou então não encontrar o caminho para algum museu que reservamos um horário.

E, quase que como mágica, a deadline (tinha aproximadamente umas três semanas para comprar o aparelho novo) começou a desmanchar o produto ideal e me curar da síndrome. Todas àquelas exigências (a maioria inviáveis) caíram por terra e as minhas ações se mostraram diferentes do que eu disse que iria fazer.

Não existe produto ideal, sempre haverá tradeoffs*

*Tradeoffs não tem assim uma tradução boa o suficiente em uma ou poucas palavras, ainda mais no contexto de Jobs To Be Done. Mas é mais ou menos o seguinte: “São uma espécie de negociação ou então compensação. São coisas que estamos dispostos a abrir mão em prol de outras”.

O job está lá e precisa ser feito por nós. Com certeza, de um jeito ou de outro faremos alguma coisa, nem que seja optar por procrastinar o job porque talvez descubramos que ele nem é tão importante assim. Por isto que sempre haverá os tradeoffs, tanto no que diz respeito ao que a solução tem ou não ou então o que é necessário fazer para incorporar a nova solução nas nossas vidas. Isto é o que chamamos de “colocar a decisão na balança”.

É por isso que Jobs To Be Done diz que você deve pesquisar com clientes que se comprometerem com alguma solução, que pagaram por ela, mesmo que não seja com a sua. Quando um cliente comprou um produto, ele passou pelos estágios da Timeline e com certeza os produtos que ele considerou e o que ele comprou revelam as características que, digamos, realmente importam.

Aliás, saber que outras soluções foram consideradas não somente revela aspectos importantes, mas também concorrentes não óbvios (mais sobre concorrência neste post aqui).

 

Portanto, a síndrome do produto ideal é uma das razões para entrevistarmos somente quem comprou alguma solução.

Isto, pois do contrário, podemos acabar valorizando características que são apenas ditas como importantes e que na realidade fazem parte daquilo que um cliente está disposto a abrir mão na hora de se comprometer, ou seja, de pagar.

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