Como dirigir um carro elétrico mudou de coisa de Mr. Bean para James Bond.

Você conhece a Tesla?

Se não conhece, não tem problema. Dá pra só ver o vídeo abaixo ou então pesquisar rapidinho no Google. Você pode só continuar lendo que vai conseguir entender também.

Foi difícil decidir sobre qual case analisar de empresas que trabalham com as Forças do Progresso. Há vários exemplos a serem explorados, mas eu não poderia começar por outro senão pela Tesla. Isto, pois vejo neste post, minha singela homenagem a uma das pessoas mais brilhantes do mundo: Elon Musk.

Como visto no post sobre as Forças do Progresso, é muito importante entender a atuação dessas forças sobre o cliente. São elas que moldam a demanda e definem se uma pessoa compra um produto novo ou não. Então se você ainda não leu o post sobre elas ou então não se recorda muito bem do que elas são e para que servem, eu sugiro que você dedique um tempinho lendo sobre elas antes de continuar aqui.

Só um aviso sobre o conteúdo do post

As avaliações, reflexões e comentários feitos ao longo deste post são todas em relação aos produtos da Tesla, como ela os divulga e, principalmente, as Forças do Progresso. O que eu quero dizer com isto? Há vários outros fatores para o sucesso da empresa e este post com certeza não cobre todos.

Há quem diga que nenhuma empresa de “energia limpa” existiria não fossem os incentivos do governo, por exemplo. Ou então que somente uma análise no estilo Bill Gross pode estabelecer as causas do sucesso de uma empresa. Em outras palavras: vamos ser objetivos e focar nas Forças do Progresso. Até porque, cobrir tudo o que está envolvido na situação atual da Tesla é trabalho para um livro inteiro só sobre ela.

Além disso, o texto inclui um pouco de entusiasmo de um fã da empresa 😉

Mas sem mais delongas, vamos ao case.

Contexto em que a Tesla Motors surgiu

A Tesla Motors foi fundada em Julho de 2003 pelos engenheiros Martin Eberhard e Marc Tarpenning. Sim, muita gente pensa que o Elon Musk estava lá desde o início, mas isto não é verdade. Musk começou a fazer parte da empresa somente em 2004, depois de liderar a primeira série de investimentos (Series A), onde, então, assumiu a posição de membro do conselho e responsável pelas operações da empresa. Nesse período, Eberhard ainda era o CEO.

Sabendo a situação atual da Tesla, parece bastante óbvio esperar que a empresa fosse um sucesso, levando em consideração os fundadores e a quantia de 7,5 milhões de dólares levantada na primeira rodada. Mas o ano do Series A era 2004. Nessa época, acreditar no mercado de carros elétricos não era muito, digamos, intuitivo ou, até mesmo, sensato.

Nos anos anteriores, mais ou menos entre o início dos anos 1990 e a primeira metade dos anos 2000, não havia quase nenhum projeto de carro elétrico bem sucedido. A grande maioria não chegou a durar mais de 4 anos para dizer a verdade.

Quase todos foram uma série de fracassos cujas razões foram apontadas desde falhas de mercado e tecnologia, até coisas mais complicadas. Há bastante estudos e especulações a respeito disto, tem até um documentário de 2006: “Quem matou o carro elétrico?” do diretor Chris Paine.

Tudo bem, pode haver várias razões obscuras para o fracasso desses projetos. Mas muitas delas são chatas de estudar e entender, pois envolvem leis, contratos, etc, coisas que eu não tenho vontade de escrever a respeito e que, sinceramente, eu acredito serem causas mais periféricas.

Aliás, sabe o que eu penso de verdade? O que, na minha opinião, é o principal fator? Eu penso no título deste post, principalmente se observarmos o contraste entre o sucesso da Tesla e o fracasso dos outros.

Bastante Push e pouco Pull

Faz muito tempo que há uma forte preocupação em relação ao uso de combustível fóssil. Quando muitas empresas lançaram seus carros elétricos, antes da Tesla, elas apostaram muito nisso, além, é claro, de vários incentivos governamentais. Levantar a bandeira do carro elétrico era, então, um daqueles “propósitos maiores” que comumente são encontrados em empresas bem sucedidas.

Carros, em geral, sejam movidos a combustível fóssil ou eletricidade, por si só já geram bastante Pull. O sentimento de liberdade, o poder de ir e vir, esse tipo de coisa, estão presentes na vida de muitos.

Então, não era errado pensar que este Pull, alinhado com o Push da preocupação sobre todas as questões que envolviam o uso de de combustível fóssil (meio ambiente, “grandes corporações do mal”, guerras, etc) fosse um contexto promissor para fazer com que as pessoas adotassem um carro elétrico.

Resumindo o contexto:

–> Push: preocupação com combustível fóssil.

–> Pull: carro de modo geral + um modelo com energia limpa.

E essas empresas estavam certas, havia Push, o problema delas foi o Pull que elas tentaram promover. Dê uma olhada nos carros elétricos construídos antes da Tesla por algumas das empresas que apostaram nesse cenário.

Carros elétricos antes da Tesla.

Não é querer desmerecer o trabalho dos envolvidos nesses projetos, mas é possível perceber que o design não tinha o mesmo objetivo do design dos carros “tradicionais”. Enquanto as fabricantes de carros “tradicionais” procuravam desenhar modelos mais atraentes, parece que as empresas por trás dos carros elétricos miraram… sei lá o que elas miraram, eu sei que acertaram numa impressão: “carro barato pra caramba um tanto mal acabado”.

As pessoas não podem ter progresso sem algo concreto, sem um Pull que as atraia. Embora todo o Push envolvido, essas soluções não foram bem sucedidas em atrair as pessoas o suficiente. Por que o suficiente? Lembra das Forças do Progresso? Não há mudança a não ser que o Push e o Pull sejam mais fortes que o Hábito e a Ansiedade.

Em resumo, as pessoas não viram no uso desses produtos o progresso que procuravam em suas vidas. Parecer o Mr. Bean dirigindo um carrinho carismático e, ao mesmo tempo, ajudar o meio ambiente não era o que mercado queria.

Hábito e Ansiedade fazendo o seu trabalho

Não bastasse o look and feel pouco atrativo, a tecnologia ainda gerava muita desconfiança. A proposta dos carros elétricos antes da Tesla podia se resumir no seguinte:

Carro elétrico: “Uma opção barata, quase tão boa quanto um carro tradicional e que ainda por cima ajuda o meio ambiente.”

Nossa! Me deu muita vontade de comprar! – trecho totalmente irônico.

Esse posicionamento sucumbiu para todas as Ansiedades e Hábitos que passaram pelo mercado. Imagine tudo o que passou pela cabeça dos consumidores na época…

“Será que esse carro anda bem? E se eu precisar fazer uma ultrapassagem?”

“Quantas horas ele tem que ficar carregando? Eu vou ter que ficar me programando toda a vez?”

“Qual a autonomia desse negócio? Será que eu vou ter que carregar todos os dias?”

Entre muitas outras perguntas…

Tá, mas isso não é um mal de todo carro elétrico?

A proposta de Pull da Tesla

Elon Musk. Esse cara entende de Jobs To Be Done. Talvez ele nem saiba sobre a teoria e o framework propriamente ditos, mas com certeza ele sabe trabalhar com a essência de tudo isto. Ciente de todo esse contexto que falamos até aqui e entendo as relações entre as Forças do Progresso, a Tesla fez uma proposta mais ambiciosa, um tanto megalomaníaca para dizer bem a verdade, entretanto, muito mais atraente. Algo como:

Carro elétrico: “O futuro do planeta não quer em troca tudo o que você aprecia em um carro. O nosso carro esportivo, além de não poluir, é melhor que os esportivos tradicionais.”

A Tesla sabia que para mudar a opinião das pessoas sobre os carros elétricos, o seu primeiro modelo precisava ser um esportivo top de linha. Nos jargões de Jobs To Be Done, eles precisavam que o uso do produto se tornasse a concretização do progresso que os clientes procuravam em suas vidas. Agora, de repente, dirigir um carro elétrico não fazia de você um Mr. Bean cujos hábitos salvam o planeta, mas sim um James Bond a favor de uma causa.

Tesla Roadster andando na estrada.

Sim, eu procurei uma foto do James Bond andando num Tesla, mas não consegui achar.

Ficou claro a importância do Pull no caso do carro elétrico?

O Roadster foi um modelo high-end. Ele ganhou diversos prêmios em várias categorias onde desbancou outros carros elétricos e também carros movidos a combustível fóssil. Ah, e sabe aquelas perguntas oriundas dos Hábitos e das Ansiedades, bom…

“Será que esse carro anda bem? E se eu precisar fazer uma ultrapassagem?”

O Roadster tinha, dependendo do modelo, uma força entre 248 e 288 cavalos.

“Quantas horas ele tem que ficar carregando? Eu vou ter que ficar me programando toda a vez?”

De 3 a 4 horas, ou seja, dá pra deixar carregando durante a noite ou durante o trabalho.*

“Qual a autonomia desse negócio? Será que eu vou ter que carregar todos os dias?”

O Roadster com a bateria completamente carregada, sendo dirigido “comportadamente”, tem uma autonomia de 245 milhas (aproximadamente 394 quilômetros).

É, a Tesla sabia da responsabilidade que estava assumindo e investiu pesado no seu produto.

*Um pequeno adendo sobre progresso além do produto

Na compra de um Tesla, você tem o direito de carregá-lo gratuitamente em qualquer posto de recarga fornecido pela própria empresa em alguns locais públicos, como shoppings, universidades, etc. Não são poucos esses postos de recarga, eu tive a oportunidade de ver vários enquanto estive de férias na Califórnia.

Posto de recarga da Tesla.

Uma lição sobre preço

Além de promover bastante Pull com um modelo esportivo high-end, as altas margens de lucro do Roadster ajudaram a manter a Tesla. O preço base do Roadster em 2008, ano do lançamento, era de 109 mil dólares. Sim, e esse era só o preço base, teve gente que pagou bem mais. O modelo foi fabricado e distribuído até 2012.

Focar a produção inicial em modelos de alto padrão também deu a Tesla outro benefício: know-how. Desenvolver carros de alto desempenho para um público bastante exigente com certeza contribuiu muito para o aprendizado da empresa. Além disso, nós todos sabemos a importância de um preço elevado. Ele, sobretudo, desperta ainda mais o interesse das pessoas e, muito, mas muito importante, implica uma ideia de alta qualidade.

O Tesla Roadster foi só o começo

Os planos da Tesla nunca foram “somente” fabricar modelos de esportivos. Desde o início, a empresa sabia da importância de começar com um modelo que lhe rendesse mais lucro sem necessitar de um grande volume de demanda. Os lucros, a reputação e o conhecimento adquirido garantiram o sucesso dos modelos seguintes.

Acredito que até aqui deu pra ter uma boa ideia da relação entre o sucesso da Tesla e as Forças do Progresso. Há muito mais para se falar sobre a empresa e os modelos que eles fabricam, mas isto já estaria fora do nosso escopo. Mas se você está curiosos e quer saber um pouco mais sobre a empresa em si, eu recomendo este documentário da National Geographic.

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