A famigerada pergunta da varinha mágica

Já ouviu ou fez essa pergunta da varinha?

Ela é geralmente feita para um cliente durante uma entrevista e tem esse formato:

“Se você tivesse uma varinha mágica, o que você construiria na nossa solução para resolver seu problema?”

Reconheceu?

Colocar o cliente no centro do negócio sofre de um mal bastante comum da era da informação, volta e meia o conceito é mal interpretado.

Já ouvi muitos profissionais falarem que entender os clientes é simples, basta você conversar com eles.

“Converse com o cliente”

“Mantenha o cliente por perto”

“Saia do escritório”

“Vá a campo”

são exemplos comuns de conselhos rasos. Rob Fitzpatrick diz o seguinte sobre isto:

“Falar que você deve conversar com clientes é como aquela pessoa popular no colégio dizer para um(a) amigo(a) nerd ser mais descolado. Na prática, você não tem ideia de como fazer isso.” —do livro O Teste da Mãe

Essa superficialidade trazida para a questão de conversar com clientes acaba contribuindo para a existência de “estratégias” sem fundamento, como é o caso da pergunta da varinha.

Talvez essa reflexão equivocada seja algo na linha de: “já que temos que falar com os clientes, vamos ver o que eles fariam no nosso lugar, o produto é pra eles, não?”

Mas é claro, acreditar que é assim que se deve conversar com clientes está cheio de pressupostos equivocados. O primeiro ponto, então, é entender que existe um “abismo” entre:

Conversar com clientes para criar ou melhorar produtos

vs

Perguntar para os clientes o que devemos construir ou melhorar

Fundamentos não deveriam ser invertidos

Acredito bastante em fundamentos e em sua utilidade. Isto, pois eles são a base de qualquer coisa específica que precisamos resolver no dia a dia. E quem trabalha tomando decisões (quase todo mundo) sabe muito bem a quantidade de situações específicas que são necessárias lidar.

Conversar com clientes de maneira produtiva tem um fundamento particularmente interessante:

O cliente entende do problema e o produtor entende da solução.

Se analisarmos um pouco mais afundo o que isto quer dizer, identificamos uma espécie de barreira no centro da relação entre cliente, produto e produtor.

Mas na prática, o que isto quer dizer?

Quer dizer que, enquanto produtor, você não pode dizer ou inventar quais são os problemas que os clientes têm e eles não pode lhe dizer o que construir ou melhorar.

Quando fazemos a pergunta da varinha, estamos invertendo completamente essa relação. Estamos deixando nas mãos do cliente (ou usuário) todo o desenho da solução. Em outras palavras, uma inversão total de papéis.

A pergunta da varinha é pior que explorar cenários hipotéticos

Se basear-se em situações hipóteticas para tomar decisões já ruim (vide “Futuro do Pretérito, a fábrica de ruídos”), basear-se em fantasias de usuários é muito pior.

Quanto estamos tentando entender os clientes, suas necessidades, seu contexto e como nosso produto se encaixa (ou vai se encaixar) em suas vidas, precisamos explorar os fatos.

Mas como se encontra fatos em conversas com clientes?

Focando a conversa na vida deles como ela é e como ela foi. Quando você está explorando, você quer saber o que aconteceu e como aconteceu para tentar entender por que aconteceu. Entender isto é a base para começar a ter conversas realmente produtivas, aquelas que geram insights acionáveis.

Todo o resto, principalmente as opiniões, são bobagens. Então, da próxima vez que você quiser fazer a pergunta da varinha, faça-a pelo menos do jeito honesto:

“Se existisse uma varinha mágica… que bobagem você diria para mim?”

Nunca vai ser fácil criar ou melhorar produtos

Quando o assunto é produto (ou empreender em geral), cada vez mais aparecem as “estratégias” extretamente reducionistas.

“É só criar uma landing page e ver se as pessoas tentam comprar”

“É só perguntar para as pessoas se elas comprariam um produto que fizesse X, Y ou Z”

“É só criar um MVP”

“É só testar, aprender e mudar”

“É só conversar com os clientes”

Mas o que incluir na landing page? Como avaliar a demanda? O que validar em relação ao produto? Com quem conversar? Como definir o MVP?

Nunca vai ser fácil tomar essas decisões e executar essas estratégias. Sempre será necessário pensamento crítico, o que infelizmente está em falta no mercado. Não há uma única estratégia ou fórmula que vai garantir o sucesso ou, até mesmo, “apenas” aumentar suas chances.

Entretanto, ter uma visão objetiva, madura e criativa sobre como podemos aprender com os clientes ainda pode fazer toda a diferença. Mas é importante lembrar que não nada disso se resume a algo que “é só fazer”.

Na minha experiência como gerente de produto, depois de conversar com outros profissionais, criar produtos que não serviam para ninguém e “acertar” mais em alguns projetos, noto que há, em linhas gerais, três níveis de maturidade em relação a construção/melhoria de produtos e clientes.

1) “Não precisamos falar com ninguém”

Esse é o clássico onde as pessoas que estão trabalhando no produto já sabem tudo o que precisa ser feito. Quando alguém os indaga sobre a necessidade de conversar com os clientes eles dizem que o Henry Ford uma vez disse que “se eu perguntasse para as pessoas… blá, blá, blá”.

Depois de apanhar do mercado, alguns passam para o segundo nível…

2) “Vamos perguntar o que precisamos construir”

Quem está nesse nível, está porque foi traumatizado pelo fracasso no primeiro ou ouviu alguém dizer que “é só conversar com os clientes”. É fácil identificar a inversão total de papéis na forma de perguntas diretas sobre o que construir ou pela maldita pergunta da varinha mágica.

Embora se tenha mais chances do que no primeiro nível (pode ser que se tenha a sorte de conversar com alguém que entenda muito bem seu mercado), depois de construir um pequeno monstrinho cheio de funcionalidades que atendem 14 tipos de clientes, alguns profissioanis percebem que a responsabilidade da solução é deles e que o cliente entende mesmo é do problema.

3) “Se eu fazer as perguntas certas, eles me explicarão o problema”

Aqui as coisas começam a tomar forma, começam a realmente fazer sentido. Quando fazemos as perguntas certas é possível aprender muito sobre qualquer problema.

Mas, é claro, ainda assim há uma condição extremamente importante, as perguntas devem ser as certas. E para fazê-las é necessário muita prática e estudo. Particularmente, eu desconheço material melhor que o livro “O Teste da Mãe” do Rob Fitzpatrick quando assunto é aprender a conversar com clientes do jeito certo.

Entender bem a separação dos conhecimentos (cliente = problema, produtor = solução) e aplicar as técnicas corretas durante as conversas traz muita clareza para a criação ou melhoria de produtos. Nesse nível, as certezas são questionadas e a curiosidade legítima ganha seu merecido espaço. Nesse espaço a criatividade começa a emitir notas fiscais e, assim, vira inovação.

Então, da próxima vez que o assunto for entender os clientes, vamos precisar de uma varinha mágica ou de fatos?